A voz da África clama no deserto – o discurso do Cardeal Sarah no Sínodo.
Temos a honra de divulgar a íntegra da intervenção do eminentíssimo Cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos — tradução de nossa colaboradora Teresa Maria Freixinho — na aula do Sínodo sobre a Família atualmente em curso em Roma (destaques do original).
Sua Santidade, Eminências, Excelências, participantes do Sínodo, proponho essas três reflexões:1) Mais transparência e respeito entre nósSinto uma forte necessidade de invocar o Espírito da Verdade e do Amor, a fonte de parresia ao falar e humildade ao ouvir, o Único capaz de criar a verdadeira harmonia na pluralidade.Digo francamente que no Sínodo anterior, sentia-se, em diversos temas, a tentação de ceder à mentalidade do mundo secularizado e do Ocidente individualista. Reconhecer as supostas “realidades da vida” como um locus theologicus [lugar teológico] significa desistir da esperança no poder transformador da fé e do Evangelho.O Evangelho que outrora transformava culturas agora está em perigo de ser transformado por elas. Além disso, alguns dos procedimentos utilizados não pareciam visar o enriquecimento da discussão e comunhão tanto quanto o fizeram para promover uma maneira de ver típica de certos grupos marginais das igrejas abastadas. Essa mentalidade é contrária a uma Igreja pobre e a um sinal alegremente evangélico e profético de contradição ao espírito do mundo. Não se pode compreender que algumas declarações que não encontram o consenso da maioria qualificada do último Sínodo ainda tenham entrado na Relatio e, em seguida, na Lineamenta e no Instrumentum laboris, enquanto outras questões candentes e muito atuais (como, por exemplo, a ideologia de gênero) foram ignoradas.Portanto, a primeira esperança é que, em nosso trabalho, haja mais liberdade, transparência e objetividade. Por isso, seria proveitoso publicar os resumos das intervenções, para facilitar a discussão e evitar qualquer preconceito ou discriminação na aceitação dos pronunciamentos dos Padres Sinodais.2) Discernimento da história e dos espíritosUma segunda esperança: Que o Sínodo honre a sua missão histórica e não se limite a falar somente sobre determinadas questões pastorais (como, por exemplo, a eventual comunhão aos divorciados e recasados), mas auxilie o Santo Padre a enunciar claramente determinadas verdades e dar orientação útil em nível global. Isso porque há novos desafios em relação ao sínodo celebrado em 1980. Um discernimento teológico nos permite ver em nosso tempo duas ameaças inesperadas(quase como duas “bestas do apocalipse”) localizadas em lados opostos: por um lado, a idolatria da liberdade ocidental; do outro, o fundamentalismo islâmico: secularismo ateísta versus fanatismo religioso. Para usar um slogan, encontramo-nos entre “a ideologia de gênero e o ISIS”. Massacres islâmicos e exigências libertárias normalmente disputam a primeira página dos jornais. (Lembremo-nos do que aconteceu no último dia 26 de junho!). Desses dois radicalismos surgem duas ameaças maiores para a família: sua desintegração subjetivista no Ocidente secularizado através do divórcio rápido e fácil, o aborto, as uniões homossexuais, a eutanásia, etc. (cf. Teoria de gênero, o ‘Femen’, o lobby LGBT, a IPPF…). Por outro lado, a pseudo-família do Islã ideologizado, que legitima a poligamia, a subserviência feminina, a escravidão sexual, o casamento infantil etc. (cf. Al Qaeda, Isis, Boko Haram ...)Várias pistas nos possibilitam intuir a mesma origem demoníaca desses dois movimentos. Diversamente do Espírito da Verdade, que promove a comunhão na diversidade (perichoresis), esses movimentos estimulam a confusão (homo-gamy) ou subordinação (poly-gamy). Além disso, eles exigem uma regra universal e totalitária, são violentamente intolerantes, destruidores de famílias, da sociedade e da Igreja e são abertamente cristofóbicos.“Não estamos lutando contra a carne e o sangue…” Precisamos ser inclusivos e acolhedores a tudo o que é humano; mas o que vem do Inimigo não pode e não deve ser assimilado. Não se pode unir Cristo e Belial! As ideologias homossexuais e abortistas ocidentais e o fanatismo islâmico são hoje em dia o que o Nazi-fascismo e o Comunismo foram no século XX.3) Proclamar e servir à beleza da Monogamia e da FamíliaDeparados com esses dois desafios mortais e sem precedentes (“homo-gamia” e “poli-gamia”) a Igreja precisa promover uma verdadeira “epifania da Família.” O Papa (como porta-voz da Igreja) pode contribuir para ambos, e os bispos e pastores do rebanho cristão podem fazê-lo individualmente: Ou seja, “a Igreja de Deus, que ele obteve com o seu próprio sangue” (Atos: 20:28).Precisamos proclamar a verdade sem medo, ou seja, o Plano de Deus, que é a monogamia no amor conjugal aberto à vida. Tendo em mente a situação histórica que acabamos de recordar, é imperativo que a Igreja, em seu cume, declare de maneira definitiva a vontade do Criador a respeito do matrimônio. Quantas pessoas de boa vontade e senso comum se uniriam nesse ato luminoso de coragem conduzido pela Igreja!Juntamente com uma Palavra forte e clara do Supremo Magistério, os Pastores têm a missão de auxiliar os nossos contemporâneos a descobrir a beleza da família cristã. Para lograr esse objetivo, é preciso promover tudo o que representa uma verdadeira Iniciação Cristã de adultos, uma vez que a crise no matrimônio é essencialmente uma crise de Deus, mas também uma crise de fé, e isso é uma iniciação cristã infantil. Em seguida, precisamos discernir aquelas realidades que o Espírito Santo já está suscitando para revelar a Verdade da Família como uma comunhão íntima na diversidade (homem e mulher), que é generosa no dom da vida. Nós, bispos, temos o dever urgente de reconhecer e promover os carismas, movimentos e realidades eclesiais em que a Família é verdadeiramente revelada, este prodígio de harmonia, amor de vida e esperança na Eternidade, esse berço de fé e escola de caridade. E há tantas outras realidades oferecidas pela Providência, juntamente com o Concílio Vaticano II, em que este milagre é oferecido.
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